Já faz tempo que eu quero escrever sobre o preconceito que as pessoas têm com aplicativos de relacionamento e também sobre como essa ferramenta abençoada mudou a minha vida. Depois dos julgamentos que a paisagista Elaine Caparroz recebeu por marcar um encontro com um homem que ela conheceu por uma rede social, eu resolvi escrever.
Para começar, o que separa a minha história do que aconteceu com a Elaine é que eu tive a sorte de não conhecer nenhum agressor, porque eu já recebi alguns caras "desconhecidos" no meu apartamento e isso não foi motivo para eu ser espancada. Então, o que levou ao crime não foi o comportamento dela, nem o meu e de outras mulheres, foi o dele. Só o dele.
Outra coisa é que eu conheci o meu marido (eita!) no Tinder e agora todo mundo acha isso muito legal. As pessoas adoram histórias com final feliz, mas a verdade é que até você começar um relacionamento sério as pessoas vão te julgar por usar um app de relacionamento. É 2019, mas é como se ainda hoje a mulher não tivesse a liberdade de se relacionar por uma noite, por uma semana, por um mês ou por quanto tempo ela quiser. Parece que sempre tem que acabar em relacionamento sério e isso não faz sentido nenhum. Então, esse texto é para você que já criticou - mesmo que mentalmente - uma mulher que usa aplicativo de relacionamento ou conhece pessoas pela internet.
Bora lá...
Começo contando que ser mulher fora dos padrões é crescer ouvindo que com o seu corpo/cabelo/estilo/comportamento ninguém vai gostar de você e isso é cruel demais. Com toda essa pressão, nós mesmas passamos a acreditar que não merecemos muita coisa. Um relacionamento saudável? Nem pensar. Crescemos com essa ideia horrível na cabeça e acabamos aceitando qualquer coisa quando o assunto é afeto, aí começa a cilada.
O medo de nunca ter um namorado faz com que a gente não consiga coisas que deveriam ser simples, como falar o que nos incomoda ou sair de um relacionamento abusivo. Infelizmente, erramos grave quando pensamos que temos o que a gente merece. Ou que é melhor isso do que ficar sozinha. A sociedade é cruel com as mulheres, mas com as solteiras, separadas e divorciadas é ainda pior. É sempre pior quando eles não te enxergam como propriedade de um homem.
Primeiro beijo
Eu passei toda a adolescência e início da vida adulta achando que eu não era interessante e isso não surgiu do nada. A primeira rejeição veio aos 11/12 anos. O primeiro menino que eu beijei ficou puto porque as pessoas da escola e do bairro ficaram sabendo. Desde bastante nova entendi que eu era motivo de vergonha.
Nas festas ninguém queria "ficar" comigo. Inúmeras vezes ouvi grupos de meninos falando vai lá e "pega" a gorda, comentários seguidos de gargalhadas. Alguns deviam fazer até apostas, que raiva que eu sentia. Os caras que realmente se interessavam por mim tinham vergonha de se aproximar. Ninguém queria ser visto com a gorda.
Tem uma fase na vida que todo mundo começa a ter casinhos para contar, as amigas perdem a virgindade, começam a namorar e a gente sente que está ficando para trás. É tudo muito estranho, é como não pertencer ao mesmo mundo que as pessoas que convivem com você, por causa disso começamos a achar que tem algo de muito errado com a gente. Que fase horrível! Hoje, eu vejo que não tinha nada de errado comigo, nenhum defeito.
Depois dessas e outras frustrações da vida real, eu ouvi falar de um aplicativo de relacionamento. Uma ferramenta que me ajudaria a conhecer pessoas e eu queria muito conhecer pessoas. Beleza, eu fui tentar. No fundo eu sabia que podia e merecia me relacionar. Bem no fundo eu sabia que não tinha nada de errado comigo.
Só posso dizer que a minha experiência no app de relacionamento foi ótima e necessária. Aos 21 anos, pela primeira vez na vida, eu tive opções, conheci a liberdade sexual e comecei a falar não para o sexo oposto. Eu descobri que existiam caras de todos os tipos que se interessavam por mim e que eu podia conversar, sair e transar com quem eu quisesse. Não eram só eles que me escolhiam, eu também podia escolher, que sensação foda!
Uma coisa muito boa foi a opção de filtrar os contatinhos pelos interesses em comum. Isso me ajudou muito a encontrar pessoas interessantes, pessoas que talvez eu nunca conhecesse na vida real. Pessoas que eu precisava ter conhecido. Óbvio que apareceram uns embustes, mas isso acontece de todo jeito, eles existem. Não podemos esquecer que o app não é um mundo paralelo, é um recorte de tudo que a gente encontra na vida real. Eu sei que é chato, mas tem embuste por todo lado.
A recomendação do app veio de uma amiga MUITO especial <3, então eu dei um voto de confiança e meti a cara. Quando entendi a dinâmica do aplicativo, fui uma usuária 100% ativa, vivi muitas experiências e recomendei para as miga tudo. Tive a fase de sair do aplicativo, voltar, sair e voltar de novo. É que às vezes cansa e tudo bem, não tem problema nenhum querer desconectar.
O preconceito
Não foram poucas as vezes que as pessoas debocharam desse método de conhecer pessoas. Eu ficava bastante incomodada, porque a maioria falava sem conhecer o que era. O principal argumento de quem fala mal é que as pessoas não estão no aplicativo para relacionamento, só para sexo fácil. Meus amores, vocês acham que alguém vai para uma balada pensamento em casar? Todo mundo quer dar um beijos e às vezes quer transar também, relacionamento sério é consequência. Outra coisa, qual o problema do sexo fácil?
Também tinha gente que vinha com o papo de que o sistema parecia um açougue, que as pessoas ficavam escolhendo pedaços de carne (risos). E nos lugares que você vai acontece o que? Ninguém se aproxima pela aparência? Ah tá! Também tinha o time de pessoas que falava que eu tinha que sair para conhecer gente. #preguiça
Não é sempre que a gente tem disposição e condições financeiras e emocionais para sair.
Eu fiquei mais caseira depois de mais velha, mas na adolescência e na faculdade eu saía bastante. Se você prestou atenção até aqui, você entendeu que mesmo saindo de casa não é fácil conhecer pessoas. Pelos motivos citados no começo do texto, como a gordofobia, era bem difícil conhecer alguém.
Exercício de empatia: se colocar no lugar de quem é ignorado pela forma do corpo e do cabelo antes mesmo de qualquer contato. Vocês vão continuar falando que não sair de casa é o verdadeiro problema de não conhecer pessoas? Obrigada.
Com essas experiências no aplicativo, eu percebi que para os homens também era mais fácil puxar papo. Conheci alguns caras que talvez tenham vivido as mesmas experiências que eu, que estavam com a autoestima no pé, mas eram pessoas maravilhosas e só precisavam de uma oportunidade para se aproximar. Ou outros que estavam bem de autoestima, mas não tinham perfil de ir para a balada conhecer gente.
Nem todo mundo é desinibido quando o assunto é pegação e afeto. A mulher não precisa ficar esperando num bar ou numa festa a aproximação de um cara. Ferramentas desse tipo abrem um leque de possibilidades e libertam!
Liberdade feminina
Reativar e dar um novo significado para a minha vida amorosa-sexual também melhorou as minhas relações fora do aplicativo, eu tinha mais autoestima e confiança para conhecer pessoas em qualquer lugar. Nos últimos anos, eu tive vários reencontros comigo mesma e me descobrir uma mulher interessante foi um deles e tem sido incrível!
Foi tudo 100% uma maravilha, só gente bacana e encontros legais? Não, claro que não. Tenho muitas histórias polêmicas dessa época de Tinder, mas isso fica para outros posts. Apesar de qualquer coisa, a experiência que ficou foi bastante positiva.
Por tudo isso que eu escrevei, se coloque sempre no lugar do outro. Olha quanta coisa incrível aconteceu na minha vida por causa de um aplicativo, imagina se eu tivesse desanimado por causa de opiniões caretas, cheias de preconceitos e com pouco conhecimento. O que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra, então respeite as coisas mesmo que você não queira para a sua vida. Respeitem também a liberdade sexual feminina, toda mulher tem o direito de se relacionar.
Poderia ser um #publi do Tinder, mas não é, rs. É só compartilhamento de experiências mesmo.
Beijos,
Naiara
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