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Quarentena - #Dia20: fazendo compras em Madri


Hoje chegamos ao 20˚ dia de quarentena na Espanha. A primeira notícia do dia aqui foi a de que o governo já estuda prorrogar a quarentena até 26 de abril. A recessão econômica já é uma realidade. O número de desempregados cresce a cada dia. Até agora, 898.822 empregos foram perdidos, segundo dados do Ministério de Seguridad Social.

Apesar de todos os esforços, o número de mortos e infectados segue subindo. Na última semana o isolamento ficou ainda mais restrito. Somente os serviços de primeira necessidade estão abertos. Em ruas desertas, as farmácias e os supermercado adotam estratégias de guerra para continuar abastecendo a população. Com mais de um milhão de pessoas contagiadas no mundo, fronteiras fechadas e a expansão do coronavírus, a palavra é guerra mesmo, não há outra definição para a situação que estamos vivendo.

Nesta manhã precisei sair para comprar comida. Pela primeira vez desde que cheguei aqui caminhei totalmente sozinha pelas calçadas da Gran Via. Fui a um mercado familiar que conheci pelo Twitter. "Essa era a loja dos meus bisavós e agora é do meu avô. Por favor, se você mora perto, apoie lojas de autônomos como esta (....) para que eles não tenham que dizer adeus aos seus negócios", escreveu uma jovem espanhola na rede social. A publicação já foi compartilhada mais de 10 mil vezes e curtidas outras 16 mil. Mesmo assim, hoje fiz compras sozinha lá.

Enquanto eu buscava o que precisava nas prateleiras, uma senhora já conhecida do proprietário não se atreveu a entrar no mercado. Ela fez o seu pedido da porta, pagou de lá mesmo e foi embora. Percebi que os clientes não tinham acesso aos cestos de frutas e verduras. Por segurança, só o funcionário com luvas e máscara podia manipular os alimentos. Pedi três cebolas, paguei junto com os outros produtos e fui embora. Sem manteiga, porque já não tinha.

Caminhei até a loja de produtos a granel, onde compro farinhas, arroz, açúcar e outros produtos por peso. Lá, em dias normais, o sistema é self-service. Cada um pega os sacos, se serve dos produtos, pesa e vai no caixa pagar. Hoje, fui surpreendida por uma barricada na porta. "Espere aqui, muito obrigada", dizia o cartaz colado no chão da entrada.

De lá da porta eu fiz meus pedidos, a proprietária me trouxe os produtos e passei o cartão. Desde que tudo isso começou, a recomendação é não usar notas ou moedas. Tudo para evitar uma possível transmissão do vírus. Enquanto eu falava em voz alta os meus pedidos, o próximo cliente chegou e esperou na calçada até que eu saísse da loja.

Para mim aquilo era novo e eu senti que para a proprietária da loja também. Sem os funcionários que antes a acompanhavam e com o horário de atendimento reduzido de oito para quatro horas por dia, ela agradeceu muito pelas compras. Eu agradeci de volta e desejei um bom dia. "Aqui estamos, pelo menos para pagar as contas de água, luz e os serviços básicos", ela me disse.

Já no caminho de volta para casa, passei por uma padaria e vi uma fila de quatro pessoas na rua. Em estabelecimentos pequenos, uma pessoa já não entra se outra estiver lá dentro. Espera-se fora, mantendo a distância de mais de 1,5 metro do último da fila. Na mesma rua, me chamou a atenção uma frutaria que já não aceita clientes sem máscaras. Um cartaz na porta avisa sobre a obrigatoriedade do acessório.

Um pouco mais a frente, uma farmácia anunciava que só podiam entrar três clientes por vez. Já outra farmácia não deixava nem os clientes entrarem. Com uma mesa e duas cadeiras na porta, o pedido era feito a distância. Em mercados maiores, as luvas são obrigatórias e placas de plásticos foram instaladas para proteger os profissionais que trabalham nos caixas.

Hoje, a Espanha soma mais de 117 mil casos confirmados e está perto de chegar a 11 mil mortos vítimas do Covid-19. Ou seja, o país carrega o peso de ter 20% das mortes causadas pela doença no mundo. Nesse cenário, as filas na calçada já não significam lotação, mas sim respeito, solidariedade e prudência, as únicas armas que a população tem em mãos.

Nos últimos dias dei uma olhada nos sites de vagas de empregos e a realidade já é outra em relação ao mês passado. As ofertas que aparecem mais vezes são para enfermeiros, médicos, cuidadores de idosos, entregadores e até shoppers - um profissional para ficar nos mercados fazendo as compras dos pedidos que chegam online.

Sair para fazer compras, uma das poucas atividades ainda permitidas por aqui, já não é a mesma coisa. Cada dia fica mais evidente que o mundo como a gente conhecia já não é o mesmo. E agora? Nos resta descobrir como vamos seguir em frente como sociedade e como os governos vão lidar com essa crise, que não deve terminar tão cedo.

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