Quem é gordo(a) sabe que ir ao médico não é tarefa fácil. Infelizmente, a pessoa chega com uma dor de garganta ou com o pé quebrado e o "profissional da saúde" ignora a dor e recomenda dieta e/ou bariátrica. Não é piada, acontecem coisas desse tipo todos os dias.
Mesmo amando o meu corpo e vivendo a desconstrução de padrões, confesso que não sei lidar com gordofobia médica. Essas atitudes desumanas me tiram do eixo. Por incrível que pareça, mesmo com todo o empoderamento que compartilho com vocês, ir ao médico me deixa ansiosa. O mais grave é que, assim como eu, existem muitas mulheres e homens gordos que deixam de se cuidar para não passar por situações constrangedoras. Por isso, esse post também é sobre #autocuidado. Ei, você que está aí lendo: por mais difícil que seja para você ir ao médico, a sua saúde importa e o seu bem-estar também! Faça exames de rotina e cuide da saúde física e mental. Seu corpo não é motivo de vergonha, pare de adiar a sua ida ao médico.
A gordofobia médica
Eu demorei bastante para reconhecer que eu já tinha sido vítima de gordofobia médica. A primeira vez foi há muitos anos, eu era adolescente e fui fazer exames de rotina. Minha mãe era a minha acompanhante. O médico disse que a minha pressão estava alta e muito acima do normal. Segundo ele, isso significava que eu podia ter um problema MUITO sério a qualquer momento. A recomendação foi: emagrecer, mudar radicalmente meus hábitos e começar a tomar remédio para a pressão alta. Eu tinha entre 14 e 15 anos de idade.
Lembro da minha mãe nervosa, do meu pai chegando para nos encontrar e dos três a caminho do pediatra que me acompanhou durante toda a infância. Meu pai queria outro diagnóstico antes de me fazer tomar remédio para pressão. Lembro também que os dois se sentiram muito culpados pelo meu problema de saúde tão precoce. Ao menos a culpa durou pouco. Para a nossa surpresa, o segundo médico mediu a minha pressão e ela estava NORMAL, nenhuma alteração. Como sempre, tudo bastante bem com a minha saúde.
Foi aí que o segundo médico explicou que existe um medidor de pressão para braços gordos. Então, quando a medição é feita com o modelo tradicional (o que tinha acontecido), pode acontecer uma alteração surreal porque o aparelho não tem o tamanho adequado. Alguns modelos nem fecham no braço. Isso é muito sério!!!!
Só hoje eu entendo como foi irresponsável me receitar remédios para um problema de saúde que eu não tinha. Tudo isso por falta de cuidado, por usar o formato do meu corpo para justificar uma doença e por não se preocupar em usar os equipamentos corretos para cada paciente. Só para constar, foi um atendimento feito pelo plano de saúde.
Imaginem se os meus pais não tivessem desconfiado do diagnóstico? Quantas pessoas devem estar por aí tomando remédios sem precisar? Quantas pessoas começam a odiar o corpo depois de uma consulta médica? Eu considero que esse foi o meu primeiro caso de gordofobia médica, mas é possível que tenha acontecido antes. Bem antes...
Feminismo e gordofobia médica
Em um outro caso bem mais recente, eu sentia que alguma coisa não ia bem com o meu corpo, principalmente com os meus hormônios. Diversos sintomas atrapalhavam o meu dia a dia e eu realmente decidi que precisava de ajuda. Eu juntei a grana da consulta por uns meses, uns R$350, e marquei horário com uma ginecologista do Coletivo Feminista, em São Paulo (SP). Nessa época eu já não tinha mais plano de saúde. A realidade é que saúde não é prioridade para quem não tem grana e empresas que oferecem planos de saúde são cada vez mais raras.
Daí chegou o dia da minha consulta particular na ginecologista. Eu lembro de acordar feliz na data agendada. Finalmente era o dia de falar sobre o que eu estava sentindo e ser acolhida. Preparei uma lista de coisas que eu queria falar para não correr o risco de esquecer nada. Eu consegui falar tudo o que estava acontecendo com o meu corpo, falei que a minha psicóloga tinha recomendado que eu buscasse uma ginecologista para avaliar as questões hormonais e também falei de coisas que eu tinha lido sobre o tema. Eu estava confortável, o nome do lugar (Coletivo Feminista) me passou segurança e eu me abri.
Quando acabei de falar, a médica falou que nenhum hormônio poderia causar os sintomas que eu relatei. Desconsiderou total a minha percepção em relação ao meu corpo. Ela também me pediu um total de ZERO exames. Disse para eu continuar com a terapia e adotar uma alimentação saudável e fazer exercícios físicos. FIM DA CONSULTA. Ela nem perguntou como era a minha rotina. Eu nem tive a oportunidade de falar que eu me alimentava bem e que duas ou três vezes na semana eu fazia atividade física.
Ela foi gordofóbica quando não se importou com as minhas queixas e negou o meu pedido de ajuda. Ela não foi feminista ao julgar meu corpo e achar que por ser gordo a minha rotina não era saudável. Na hora, eu não tive reação. Eu saí de lá, liguei para a minha mãe e chorei. Também me senti roubada, queria o meu dinheiro de volta. Malditos R$350 que eu fiquei juntando para NADA. Que raiva…
Como se a péssima consulta não fosse o suficiente, eu tive mais problemas com o local. Em duas ocasiões eu pedi a nota fiscal para declarar no imposto de renda, me enrolaram em muitas trocas de e-mail e eu acabei deixando pra lá por não poder mais esperar. Ou seja, não recomendo para ninguém. Um descaso total. Foi uma das situações mais frustrantes da minha vida. Como de costume, a gente segue o baile.
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Só agora, quase dois anos depois, eu consegui voltar ao médico para falar dos mesmos problemas. Como agora moro em outro país (Espanha), o contexto é outro. Marquei consulta no atendimento público, confesso que cheia de medo de não ser compreendida outra vez. Para a minha alegria, a médica foi um ANJO. Ela pediu uma caralhada de exames, me ouviu, fez perguntas e me deu respostas. Rolou empatia. Eu saí da sala tão feliz, que eu tava dando risada sozinha na rua e agradecendo por aquilo. Acolhimento e respeito são importantes demais, ainda mais quando o assunto é saúde.
O resultado
Semanas depois voltei para buscar os resultados dos exames e foi identificado um desequilíbrio hormonal. Sim, tinha alguma coisa errada com os meus hormônios! Ou seja, a gordofobia da ginecologista que eu fui antes atrasou o meu diagnóstico. Não é grave, mas o que eu sentia foi confirmado e agora vamos tentar resolver. De resto, todos os exames perfeitos. Nada de colesterol, diabetes, pressão, gordura no fígado, anemia. Nada de nada! Nenhuma das doenças que as pessoas relacionam com o corpo gordo. Sobre a médica, nenhum comentário sobre dieta, nem sobre perder peso e nem nada invasivo. Só saúde mesmo, sem padrões.
Nesta semana tenho uma consulta com a ginecologista, vamos ver como equilibrar as coisas por aqui. Queria não ter passado por episódios de gordofobia médica? Queria. Estou ansiosa/com medo de conhecer uma nova médica? Estou. Mas também estou tentando ver as coisas pelo lado bom. Eu continuo aprendendo a dar atenção para a minha intuição, a entender o meu corpo e a NUNCA esquecer que as pessoas precisam nos respeitar. Se um profissional da saúde tem preconceito com um tipo corpo e deixa isso afetar o trabalho dele, o problema não é meu, ele é quem tem um PROBLEMÃO.
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Experiência positiva:
Uma vez eu fui em uma ginecologista no Dr. Consulta, em Pinheiros, São Paulo (SP) e tive uma excelente experiência. Além do preço acessível, na época custava uns R$100, foi a primeira vez que uma médica me perguntou como era a minha relação com o meu corpo. Eu respondi que era ótima e que eu não queria emagrecer, apenas saber se estava tudo bem com a minha saúde. Ela disse: ótimo! Pediu exames, estava tudo bem e não houve qualquer menção ao meu corpo. Eu amei a abordagem dela, me deixou totalmente confortável e eu me senti respeitada. É tão simples ter empatia, né?
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